sexta-feira, 4 de abril de 2014
Estupro: onde mora o perigo?
A recente pesquisa divulgada pelo IPEA “Estupro no Brasil: uma radiografia da violência” teve um papel pedagógico nas discussões públicas sobre o tema da violência sexual no Brasil. Trouxe para luz do dia a obtusidade agressiva e animalesca que se esconde nos porões da consciência individual de muita gente. Detectou concepções que revelam completa incapacidade de alguns para viver em sociedades, seja qual for seu grau de educação formal.
Um dado importante da pesquisa, dentre outros igualmente fundamentais para entender ou estimar em que ponto está a percepção do brasileiro sobre as condições de violência contra mulher, diz respeito à ideia de que a culpa pela violência sexual sofrida pela mulher reside nela mesma, em particular pelo modo como se veste.
Ao serem perguntados se mulheres que usam roupa mostrando o corpo merecem ser atacadas, nada menos que 65,1% dos entrevistados afirmaram que sim, concordavam total ou parcialmente com a afirmação. Mais ainda. Para 58,2% dos pesquisados, se a mulher soubesse se comportar, haveria menos estupros.
Os números ganharam repercussão nas redes sociais e um movimento #NãoMereçoSerEstuprada iniciado pela jornalista Nana Queiroz ajudou a disseminar o debate, nem sempre com opiniões razoáveis. Segundo Nana, “amanheci de uma noite conturbada. Acreditei na pesquisa do Ipea e experimentei na pele sua fúria. Homens me escreveram ameaçando me estuprar se me encontrassem na rua, mulheres escreveram desejando que eu fosse estuprada”. Nana, no entanto, ganhou reforço de peso na sua luta corajosa. A presidenta Dilma Roussef usou seu twitter para apoiá-la. E mais recentemente personagens como Daniela Mercury emprestaram sua imagem em um nítido apoio ao movimento.
Ao mesmo tempo em que a pesquisa do IPEA ganhou tanta repercussão, uma nota técnica também do instituto, e que infelizmente não ganhou a mesma visibilidade, divulga números essenciais para evidenciar que a percepção da culpabilidade feminina pela agressão sexual sofrida é apenas isso, uma percepção, e está anos luz da brutal realidade, em termos de violência sexual, de fato vivenciada pelas mulheres. O submundo de abusos mostrado por essa nota é bem mais alarmante.
O estudo foi produzido a partir dos dados do Sinan (Sistema de Agravos de Notificação) [dá para gerar os relatório aqui] base gerenciada pelo Departamento de análise de Situação de Saúde, vinculado ao Ministério da Saúde. Em 2011, as notificações tratando de violência doméstica e sexual foram incorporadas ao sistema. Apoiando-se nelas, os pesquisadores debruçaram-se para trazer à tona um diagnóstico que foge do senso comum sobre a violência sexual praticada contra a mulher.
Como já esperado, a quase totalidade das vítimas de abusos sexuais é mulher, sendo 88,5%. Entretanto, um dado valioso, diz respeito à faixa etária. Nada menos que metade das vítimas são crianças até 13 anos de idade. Se somados com jovens e adolescentes de 14 a 17 anos (19,4% do total) crianças e adolescentes perfazem o total de pouco mais de 70% das vítimas. Bem, o que não surpreende é que quase 100% dos agressores sejam homens.
Se 70% dos agredidos são crianças, jovens e adolescentes, cabe uma questão. Onde essa violência ocorre? Se você fez essa pergunta, provavelmente já tem a resposta. É no lar. Dentro de casa. São 79% dos casos entre crianças; 67%, entre adolescentes e 65% dos casos entre adultos. E se você chegou até aqui, saiba que poderá se assustar um pouco mais. Entre crianças, apenas 12,6% dos casos de violência são praticados por desconhecidos. Isso mesmo. Os atos de violência sexual praticados contra criança acontecem na inviolabilidade do lar, por pessoas conhecidas ou muito próximas das vítimas. Os números se distribuem do seguinte modo: em 11,8% dos casos, o agressor é o pai; 12,3%, o padrasto; 7,1%, namorado; por fim, 32,2% amigo.
Ou seja, o perigo não mora ao lado mas, literalmente, dentro de casa. Se somados, parentes, amigos e conhecidos são 63,4% dos agressores de crianças. Não custa lembrar, metade das vítimas.
Naturalmente, não se pode dizer que crianças se vistam de um modo provocativo ou tenham comportamento sedutor a tal ponto que leve as pessoas mais próximas a elas a distúrbios emocionais que resultem em um impulso para a prática de violência sexual. Tudo isso se torna estarrecedor, porque essas vítimas podem sofrer violência durante anos a fio, sem a possibilidade de manifestação do seu martírio.
Isso significa que a resposta positiva dos brasileiros sobre roupas ou comportamentos como determinantes do estupro está calcada numa terrível ignorância que, se por um lado esconde a realidade tal como é, também serve de conveniente sonífero. Sua função é evitar que nossa sociedade se depare com uma visão terrível: há um mundo de mutilação física e psicológica acontecendo debaixo de nossos tetos, envolvendo maridos, ex-maridos, amantes, amigos, conhecidos, e não sabemos absolutamente o que fazer. Parodiando Zé Geraldo, tudo isso acontecendo e a gente aqui na praça dando milho aos pombos.
O estudo conclui com outro dado igualmente assustador. Estima-se que mais de meio milhão de pessoas são estupradas no Brasil anualmente. Dessas, apenas 10% dos casos chegam à polícia. As razões para isso devem ser evidentes, dado que o aparato policial não está preparado para lidar de forma humana com essas mulheres. Os números desse estudo deveriam ser mais aprofundados e deveriam articular entes públicos e a sociedade para enfrentar e quebrar, de forma corajosa, esse pacto de silêncio que insiste em vitimizar todos nós.
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Retirado de: http://www.cartacapital.com.br/blogs/outras-palavras/estupro-onde-mora-o-perigo-6452.html
quinta-feira, 30 de janeiro de 2014
Sou homem...
"Sou
homem. Quando nasci, meu avô parabenizou meu pai por ter tido um filho
homem. E agradeceu à minha mãe por ter dado ao meu pai um filho homem.
Recebi o nome do meu avô. Quando eu era criança, eu podia brincar de
LEGO, porque "Lego é coisa de menino", e isso fez com que minha
criatividade e capacidade de resolver problemas fossem estimuladas.
Ganhei lava-jatos e postos de gasolina montáveis da HotWheels. Também
ganhei uma caixa de ferramentas de plástico, para montar e desmontar
carrinhos e caminhões. Isso também estimulava minha criatividade e
desenvolvia meu raciocínio, o que é bom para toda criança. Na minha
época de escola, as meninas usavam saias e meus amigos levantavam suas
saias. Dava uma confusão! E então elas foram proibidas de usar saias.
Mas eu nunca vi nenhum menino sendo realmente punido por fazer isso,
afinal de contas "Homem é assim mesmo! Puxou o pai esse danadinho" - era
o que eu ouvia. Em casa, com meus primos, eu gostava de brincar de
casinha com uma priminha. Nós tínhamos por volta de 8 anos. Eu era o
papai, ela era a mamãe e as bonecas eram nossas filhinhas. Na
brincadeira, quando eu carregava a boneca no colo, minha mãe não
deixava: "Larga a boneca, Juninho, é coisa de menina". E o pai da minha
priminha, quando via que estávamos brincando juntos, de casinha, não
deixava. Dizia que menino tem que brincar com menino e menina com
menina, porque "menino é muito estúpido e, principalmente, pra frente".
Eu não me achava estúpido e também não entendia o que ele queria dizer
com "pra frente", mas obedecia. No natal, minha irmã ganhou uma Barbie e
eu uma beyblade. Ela chorou um pouco porque o meu brinquedo era muito
mais legal que o dela, mas mamãe todo ano repetia a gafe e comprava para
ela uma boneca, um fogãozinho, uma geladeira cor-de-rosa, uma
batedeira, um ferro de passar. Quando fiz 15 anos e comecei a namorar,
meu pai me comprou algumas camisinhas. Na adolescência, ninguém me
criticava quando eu ficava com várias meninas. Atualmente continua
assim. Meu pai não briga comigo quando passo a noite fora. Não fica
dizendo que tenho que ser um "rapaz de família". Ele nunca me deu um
tapa na cara desconfiado de que passei a noite em um motel. Ninguém fica
me dando sermão dizendo que eu tenho que ser reservado e me fazer de
difícil. Ninguém me julga mal quando quero ficar com uma mulher e tomo a
iniciativa. Ninguém fica regulando minhas roupas, dizendo que eu tenho
que me cuidar. Ninguém fica repetindo que eu tenho que me cuidar porque
"mulher só pensa em sexo". Ninguém acha que minhas namoradas só estavam
comigo para conseguir sexo. Ninguém pensa que, ao transar, estou me
submetendo à vontade da minha parceira. Ninguém demoniza meus orgasmos.
Nunca fui julgado por carregar camisinha na mochila e na carteira. Nunca
tive que esconder minhas camisinhas dos meus pais. Nunca me disseram
para me casar virgem por ser homem. Nunca ficaram repetindo para mim que
"Homem tem que se valorizar" ou "se dar ao respeito". Aparentemente,
meu sexo já faz com que eu tenha respeito. Quando saio na rua ninguém me
chama de "delícia". Nenhuma desconhecida enche a boca e me chama de
“gostoso” de forma agressiva. Eu posso andar na rua tomando um sorvete
tranquilamente, porque sei que não vou ouvir nada como “Larga esse
sorvete e vem me chupar”. Eu posso até andar na rua comendo uma banana.
Nunca tive que atravessar a rua, mesmo que lá estivesse batendo um sol
infernal, para desviar de um grupo de mulheres num bar, que
provavelmente vão me cantar quando eu passar, me deixando envergonhado.
Nunca tive que fazer caminhada de moletom porque meu short deixa minhas
pernas de fora e isso pode ser perigoso. Nunca ouvi alguém me chamando
de “Desavergonhado” porque saí sem camisa. Ninguém tenta regular minhas
roupas de malhar. Ninguém tenta regular minhas roupas. Eu nunca fui
seguido por uma mulher em um carro enquanto voltava para casa a pé. Eu
posso pegar o metrô lotado todos os dias com a certeza que nenhuma
mulher vai ficar se esfregando em mim, para filmar e lançar depois em
algum site de putaria. Nunca precisaram criar vagões exclusivamente para
homens em nenhuma cidade que conheço. Nunca ouvi falar que alguém do
meu sexo foi estuprado por uma multidão. Eu posso pegar ônibus sozinho
de madrugada. Quando não estou carregando nada de valor, não continuo
com medo pelo risco ser estuprado a qualquer momento, em qualquer
esquina. Esse risco não existe na cabeça das pessoas do meu sexo. Quando
saio à noite, posso usar a roupa que quiser. Se eu sofrer algum tipo de
violência, ninguém me culpa porque eu estava bêbado ou por causa das
minhas roupas. Se, algum dia, eu fosse estuprado, ninguém iria dizer que
a culpa era minha, que eu estava em um lugar inadequado, que eu estava
com a roupa indecente. Ninguém tentaria justificar o ato do estuprador
com base no meu comportamento. Eu serei tratado como VÍTIMA e só.
Ninguém me acha vulgar quando faz frio e meu “farol” fica “aceso”.
Quando transo com uma mulher logo no primeiro encontro sou praticamente
aplaudido de pé. Ninguém me chama de “vagabundo”, “fácil”, “puto” ou
“vadio” por fazer sexo casual às vezes. 99% dos sites de pornografia são
feitos para agradar a mim e aos homens em geral. Ninguém fica chocado
quando eu digo que assisto pornôs. Ninguém nunca vai me julgar se eu
disser que adoro sexo. Ninguém nunca vai me julgar se me ver lendo
literatura erótica. Ninguém fica chocado se eu disser que me masturbo.
Nenhuma sogra vai dizer para a filha não se casar comigo porque não sou
virgem. Ninguém me critica por investir na minha vida profissional.
Quando ocupo o mesmo cargo que uma mulher em uma empresa, meu salário
nunca é menor que o dela. Se sou promovido, ninguém faz fofoca dizendo
que dormi com minha chefe. As pessoas acreditam no meu mérito. Se tenho
que viajar a trabalho e deixar meus filhos apenas com a mãe por alguns
dias, ninguém me chama de irresponsável. Ninguém acha anormal se, aos 30
anos, eu ainda não tiver filhos. Ninguém palpita sobre minha orientação
sexual por causa do tamanho do meu cabelo. Quando meus cabelos
começarem a ficar grisalhos, vão achar sexy e ninguém vai me chamar de
desleixado. A sociedade não encara minha virgindade como um troféu. 90%
das vagas do serviço militar são destinadas às pessoas do meu sexo.
Mesmo quando se trata de cargos de alto escalão, em que o oficial só
mexe com papelada e gerência. Se eu sair com uma determinada roupa
ninguém vai dizer “Esse aí tá pedindo”. Se eu estiver em um baile funk e
uma mulher fizer sexo oral em mim, não sou eu quem sou ofendido.
Ninguém me chama de "vagabundo" e nem diz "depois fica postando frases
de amor no Facebook". Se vazar um vídeo em que eu esteja transando com
uma mulher em público, ninguém vai me xingar, criticar, apedrejar. Não
serei o piranha, o vadio, o sem valor, o vagabundo, o cachorro. Estarei
apenas sendo homem. Cumprindo meu papel de macho alpha perante a
sociedade. Se eu levar uma vida putona, mas depois me apaixonar por uma
mulher só, as pessoas acham lindo. Ninguém me julga pelo meu passado.
Ninguém diz que é falta de higiene se eu não me depilar. Ninguém me
julgaria por ser pai solteiro. Pelo contrário, eu seria visto como um
herói. Nunca serei proibido de ocupar um cargo alto na Igreja Católica
por ser homem. Nunca apanhei por ser homem. Nunca fui obrigado a cuidar
das tarefas da casa por ser homem. Nunca me obrigaram a aprender a
cozinhar por ser homem. Ninguém diz que meu lugar é na cozinha por ser
homem. Ninguém diz que não posso falar palavrão por ser homem. Ninguém
diz que não posso beber por ser homem. Ninguém olha feio para o meu
prato se eu colocar muita comida. Ninguém justifica meu mau humor
falando dos meus hormônios. Nunca fizeram piadas que subjugam minha
inteligência por ser homem. Quando cometo alguma gafe no trânsito
ninguém diz “Tinha que ser homem mesmo!” Quando sou simpático com uma
mulher, ela não deduz que “estou dando mole”. Se eu fizer uma tatuagem,
ninguém vai dizer que sou um “puto”. Ninguém acha que meu corpo serve
exclusivamente para dar prazer ao sexo oposto. Ninguém acha que terei de
ser submisso a uma futura esposa. Nunca fui julgado por beber cerveja
em uma roda onde eu era o único homem. Nunca me encaixo como
público-alvo nas propagandas de produtos de limpeza. Sempre me encaixo
como público-alvo nas propagandas de cerveja. Nunca me perguntaram se
minha namorada me deixa cortar o cabelo. Eu corto quando quero e as
pessoas entendem isso. Não há um trote na USP que promove minha
humilhação e objetificação. A sociedade não separa as pessoas do meu
sexo em “para casar” e “para putaria”. Quando eu digo “Não” ninguém acha
que estou fazendo charme. Não é não. Não preciso regrar minhas roupas
para evitar que uma mulher peque ou caia em tentação. As pessoas do meu
sexo não foram estupradas a cada 40 minutos em SP no ano passado. As
pessoas do meu sexo não são estupradas a cada 12 segundos no Brasil. As
pessoas do meu sexo não são estupradas por uma multidão nas
manifestações do Egito. Não sou homem. Mas, se você é, é fundamental
admitir que a sociedade INTEIRA precisa do Feminismo. Não minimize uma
dor que você não conhece."
Autor Desconhecido
PS. Acho que é importante grifar que o texto se refere a um homem heterossexual. Não ao homossexual, não ao trans.
E ainda tem gente que acha feminismo um exagero...
Autor Desconhecido
PS. Acho que é importante grifar que o texto se refere a um homem heterossexual. Não ao homossexual, não ao trans.
E ainda tem gente que acha feminismo um exagero...
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