quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Antíteses


Estas duas imagens superpostas diziam-lhe que sua amiga podia ter tudo dentro de si, que sua alma era terrivelmente amorfa, que a fidelidade podia existir nela tanto como a infidelidade, a traição como a inocência, a sedução como o pudor; essa mistura selvagem lhe parecia tão repugnante quanto a mistura de um depósito de lixo. As duas imagens superpostas apareciam sempre transparentes, uma embaixo da outra, e o rapaz compreendia que a diferença entre sua amiga e as outras mulheres era uma diferença muito superficial, que no mais profundo do seu ser sua amiga era semelhante às outras mulheres, com todos os pensamentos, todos os sentimentos, todos os vícios possíveis, o que justificava suas dúvidas e seus ciúmes secretos; que a impressão de contornos delimitando a sua personalidade não era senão uma ilusão a que o outro sucumbia, aquele que a olhava, isto é, ele mesmo. Ele pensava que essa moça, tal como a amava, não era senão um produto de seu desejo, de seu pensamento abstrato, de sua confiança, e que sua amiga, tal como era realmente, era essa mulher que estava ali, desesperadamente outra, desesperadamente estranha, desesperadamente polimorfa. Ele a detestava.


Milan Kundera in "Risíveis Amores"

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Melancolia

Tirou o telefone da tomada, queria reabituar-se à sua casa com calma. Havia muita correspondência, mas ele não abriu nenhuma carta nem olhou nenhum cartão. Comeu e deitou-se.
Antes de adormecer, fez-se uma pergunta: se os médicos tinham garantido que ele estava absolutamente recuperado, por que sentia um nó de melancolia na garganta?


Andrea Camilleri in "O Cão de Terracota"

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Racionalmente

Era bobagem enfrentar racionalmente a sólida barreira do irracional de que é constituída, como se diz, a alma feminina. Desde o começo nossa discussão se realizava sob maus auspícios.


Milan Kundera in "Risíveis Amores"

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Keep Calm

"Keep Calm and Carry On foi um pôster motivacional produzido pelo governo britânico em 1939, início da II Guerra Mundial, para ser usado somente se o nazismo conseguisse invadir a Grã-Bretanha. O cartaz foi distribuído apenas em número limitado. Em 2000, uma cópia deste pôster foi redescoberta na Barter Books, um sebo na cidade de Alnwick, na Inglaterra. A criação agora está agora em domínio público, e pode ser vista na decoração em casas. O criador do cartaz não é conhecido."











E mais bilhares de imagens! Mas na verdade pensei nesse poster pra ser usado em bibliotecas!






E para o que mais a criatividade permitir, encontrei um site que faz os "Keep calm and".

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Felicidade

Como se alguém pudesse regressar ao lugar onde foi infeliz. Não se é duas vezes infeliz da mesma maneira, e ninguém é feliz de maneira nenhuma. Inventamos aquilo de que nos queremos lembrar, isso sim.


Inês Pedrosa in "Eternidade e o desejo"


quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Momento romance


Do nada essa música surge na play llist, e me traz memórias. Milhares delas. E todas lindas por sinal. Que bom que minha capacidade de abstração se juntou a minha memória pouco confiável, e fez todas as lembranças negativas sumirem.
E como hoje eu to meio sentimental mesmo, resolvi gastar ela um pouco.
Romance
Nei Lisboa
Todas as bobagens que eu já disse
Dariam pra encher um caminhão
Mesmo assim encontro no caminho
Milhares mais otários do que eu
Por isso meu amor
Não leve tão a sério
Nem o que eu digo nem o que eu deixo de esconder
Não vai ter graça o dia
Em que bater na porta
E você não abrir pra responder
Todas as pessoas que eu conheço
Cabem bem juntinhas na palma da mão
Pra você guardei um universo
Quando falta espaço eu faço verso e durmo na canção
Por isso meu amor não pense que é brinquedo
Eu tenho medo e morro de paixão
Não vai ter graça o dia
Em que eu abrir a porta
E a tua mão vazia disser não
Por isso meu amor
Não leve tão a sério
Se eu morro de medo
Brinco de paixão
Não vai ter graça o dia
Em que eu te ver na porta
E não souber se entro
Ou faço uma canção...
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É Punk!

Não concordo integralmente com o texto, mas gostei muito do ponto de vista. Também não estou apaixonada, nem amando enlouquecidamente. Mas concordo com a autora, não quero paixonites, não quero altas emoções, nunca tive paciência para jogos, esperar um telefonema, medir as palavras.
Eu quero a sorte de um amor tranquilo, quero ver filmes bobos na televisão, deitar no sol pra tomar um chimarrão, tomar um vinho em casa... 
Pode ser que essa vontade seja muito mais uma adaptação à falta de vontade de sair na noite, meus bares do coração estão fechando, pouco a pouco. Ou então não são mais os mesmos, mudaram de público, de lugar, de preços. Mudaram eles, ou mudei eu?
Seja como for, vale a pena gastar uns minutinhos lendo o texto.
Deixe de lado meus devaneios confusos.


                                                                                                                                                       


AMAR É PUNK


Eu já passei da idade de ter um tipo físico de homem ideal para eu me relacionar. Antes, só se fosse estranho (bem estranho). Tivesse um figurino perturbado. Gostasse de rock mais que tudo. Tivesse no mínimo um piercing (e uma tatuagem gigante). Soubesse tocar algum instrumento. E usasse All Star.
Uma coisa meio Dave Grohl.
Hoje em dia eu continuo insistindo no quesito All Star e rock'n roll, mas confesso que muita coisa mudou. É, pessoal, não tem jeito. Relacionamento a gente constrói. Dia após dia. Dosando paciência, silêncios e longas conversas. Engraçado que quando a gente pára de acreditar em "amor da vida", um amor pra vida da gente aparece. Sem o glamour da alma gêmea. Sem as promessas de ser pra sempre. Sem borboletas no estômago. Sem noites de insônia. É uma coisa simples do tipo: você conhece o cara. Começa, aos poucos, a admirá-lo. A achá-lo FODA. E, quando vê, você tá fazendo coraçãozinho com a mão igual uma pangaré. (E escrevendo textos no blog para que ele entenda uma coisa: dessa vez, meu caro, é DIFERENTE).
Adeus expectativas irreais, adeus sonhos de adolescente. Ele vai esquecer todo mês o aniversário de namoro, mas vai se lembrar sempre que você gosta do seu pão-de-sal bem branco (e com muito queijo). Ele não vai fazer declarações românticas e jantares à luz de vela, mas vai saber que você está de TPM no primeiro "Oi", te perdoando docemente de qualquer frase dita com mais rispidez. 
Ah, gente, sei lá. Descobri que gosto mesmo é do tal amor. Da paixão, não. Depois de anos escrevendo sobre querer alguém que me tire o chão, que me roube o ar, venho humildemente me retificar. Eu quero alguém que divida o chão comigo.  Quero alguém que me traga fôlego. Entenderam? Quero dormir abraçada sem susto. Quero acordar e ver que (aconteça o que acontecer), tudo vai estar em seu lugar. Sem ansiedades. Sem montanhas-russas.
Antes eu achava que, se não tivesse paixão, eu iria parar de escrever, minha inspiração iria acabar e meus futuros livros iriam pra seção B da auto-ajuda, com um monte de margaridinhas na capa. Mas, caramba! Descobri que não é nada disso. Não existe nada mais contestador do que amar uma pessoa só. Amar é ser rebelde. É atravessar o escuro. É, no meu caso, mudar o conceito de tudo o que já pensei que pudesse ser amor. Não, antes era paixão. Antes era imaturidade. Antes era uma procura por mim mesma que não tinha acontecido.
Sei que já falei muito sobre amor, acho que é o grande tema da vida da gente. Mas amor não é só poesia e refrões. Amor é reconstrução. É ritmo. Pausas. Desafinos. E desafios.
Demorei anos pra concordar com meu querido (e sempre citado) Cazuza: "eu quero um amor tranqüilo, com sabor de fruta mordida"
Antes, ao ouvir essa música, eu sempre pensava (e não dizia): porra, que tédio!
Ah, Cazuza! Ele sempre soube. Paixão é para os fracos. Mas amar - ah, o amor! - AMAR É PUNK.


Copiado descaradamente de fernandacmello.blogspot.com/